Texto e narração do vídeo, por Carl Sagan
O vídeo acima diz mais do que minhas palavras podem falar. Ainda assim, arriscarei algumas linhas.
Diante do todo que existe, da vastidão de estrelas e galáxias e da imensidão de mundos e mais mundos, fica patente a pequenez de nossas preocupações cotidianas. Problemas insuperáveis, que por vezes parecem uma muralha intransponível, não passam de uma migalha em meio a esse pálido ponto azul chamado Terra.
Considerando que, de alguma forma, fazemos parte do todo que existe – do todo conhecido e desconhecido, visível e invisível, plausível e até mesmo inconcebível – e, refletindo um pouco, chegamos à conclusão de que são nossas limitações que nos definem.
Sim, nossa incomensurável incapacidade de processar toda a imensidão que nos circunda faz com que voltemos nossas atenções para moléculas de migalhas deste vasto todo, e que façamos disto o escopo de nossas vidas.
Gravitando ao redor dessa parte minúscula da “vida” é que se encontram nossas expectativas, convicções, dúvidas e preconceitos, nossas paixões e nossos mais profundos anseios. Enfim, toda a formulação que temos a respeito de nossas próprias vidas está circunscrita àquilo que nossa miopia permite ver.
Como todos nós sabemos, o todo é a soma das partes. Mas o que são cada uma dessas partes em relação ao todo? Um palpite é que, à semelhança de um complexo conjunto de engrenagens, cada uma das partes possui alguma função particular e não está desvencilhada do conjunto.
Deixando por hora de lado a questão das proporções, isto é, esquecendo por um momento da insignificância individual de cada um de nós em relação a essa grande engrenagem, voltemos nossa atenção para um outro ponto: qual nosso papel nisso tudo?
Se temos a capacidade de formular tal questão, será que nos cabe tão-somente viver à semelhança dessa engrenagem mecânica, que gira perpetuamente sem consciência de si mesma? Ou será que fazer essa pergunta é o primeiro dos passos de uma longa jornada rumo a uma vida consciente, uma vida em que possamos viver plenos de nós mesmos?
Parece que quando vemos a nós próprios enquanto consciências, e não como uma mera porção de matéria em meio ao cosmos, nossa pequenez relativa diminui um pouco. À medida que ampliamos os horizontes que nos permitimos enxergar, todo nosso modelo mental se ajusta, sobretudo no que diz respeito a perspectivas. Pode ser que, nesse momento, muitos de nossos objetivos até então perseguidos avidamente percam importância e se tornem até mesmo irrelevantes.
As implicações de se ampliar cada vez mais e mais nosso escopo mental são diversas, e esse certamente é um processo desconfortável, pois abala certezas convenientes, crenças aconchegantes e gera mesmo muita dúvida e confusão. A questão é: todo esse desconforto pode ser superado? Vale a pena passar por ele para descobrir o que há além, ou é preferível viver sob a égide da ignorância?
Creio que todos nós, por mais obstinados que sejamos, acabemos estacionados em algum estágio de consciência particular. Ou bem nossa consciência abarca o todo que existe ou então capta apenas uma porção disso. Quanto maior essa porção do que compreendemos, num estágio mais “adiantado” estacionamos, por assim dizer.
Em cada um desses estágios temos nossas limitações. Limitações para raciocinar, sentir, compreender. Dentro desses limites é que formulamos nossa concepção de nós mesmos e de tudo ao nosso redor. Moldamos nossa forma de agir, direcionamos nossas condutas, estabelecemos princípios, elencamos prioridades. Enfim, definimos a nós mesmos – consciente ou inconscientemente, pouco importa – em razão de nossas limitações.
Tendo isso em mente e sabendo que cada um de nós somente pode dar um palpite grosseiro sobre como é o todo existente, resta óbvio que sabemos muito pouco – e que não podemos dimensionar o quão pouco isso é.
Parece-me sensato, portanto, que ao invés de buscar defender ferrenhamente nossos pontos de vista atuais, busquemos nos desvencilhar deles. Isso no sentido de não nos apegarmos a “verdades” transitórias, e sim de buscarmos por aquilo que há de real e substantivo, i.e., as verdades maiores; no sentido de estarmos abertos ao novo, mesmo que para isso tenhamos que reconhecer estar redondamente enganados – às vezes, por toda uma vida.
Pensando assim, podemos chegar à conclusão de que estamos pequenos, mas que não somos assim. Pois cada um de nós tem um vasto caminho a percorrer; e nessa jornada podemos crescer. Podemos superar nossas deficiências, expandir nossas virtudes, alargar nossos limites. Temos a capacidade e o dever, para conosco mesmos, de realizar nossas potencialidades, de emanar aquilo que de melhor possuímos dentro de nós.
Enfim, devemos ajustar nossa perspectiva, de modo a torná-la aprumada com aquilo que há de real e verdadeiro, com o que há de eterno, deixando de lado assim velhos vícios de pensar e sentir e buscando plenitude de sentimentos e aspirações.