Todos os dias, dia após dia, o noticiário é o mesmo. Tragédias, fofocas, corrupção, escândalos morais. Mudam os atores e os cenários, mas o enredo permanece o mesmo.
Pergunto: que impacto tomar conhecimento disso tudo causa em nós? Será que estar de posse de tais informações nos torna mais conscientes da realidade em que vivemos?
Ter consciência da realidade pressupõe captá-la da forma mais plena possível, percebê-la em suas variadas nuances. Depois dessa percepção inicial é que moldamos nosso entendimento acerca da realidade que nos circunda.
Esse primeiro passo é passivo, contemplativo. Da contemplação surgem impressões, sensações e a formação de ideias.
Ao contemplar a beleza de uma paisagem, entramos em sintonia com essa beleza e isso faz com que ressoe em nosso interior algo de belo também. Daí surge uma sensação de bem-estar, paz e alegria. Enfim, ao nos voltarmos ao que é belo, vibramos sentimentos igualmente belos.
Mas, quando estamos prestes a alçar voo, as notícias do mundo nos puxam de volta para o chão. Se nosso olhar está a contemplar o horizonte ou as estrelas, algo nos chama e pede camufladamente que abaixemos nossas cabeças e voltemos nossos olhares para baixo, para as mazelas diárias de todos conhecidas.
Um pássaro acostumado a voar, certamente ficaria angustiado se estivesse preso ao chão. De igual modo, para alguém cujo céu é o limite (e para nossas almas, nem mesmo o céu é limite), nenhum confinamento é suportável. Somente a vastidão é aceitável.
Alguém acostumado à abundância, não suporta a miséria. E aqui me refiro à abundância de bons sentimentos, em contraste à sua falta, essa sim a pior das misérias.
Assim, da mesma maneira que a beleza nos enleva, as misérias nos afundam. Então, retomo: que bem nos faz ter ciência das notícias diárias que tratam das mazelas cotidianas? Tornamo-nos mais conscientes em decorrência delas? Ou nos alimentamos de sentimentos pesados que agrilhoam nossas almas, impedindo seus voos?
Um espírito puro entraria em estado de choque ao tomar conhecimento de injustiças, maldades e afins. Mas, infelizmente, mesmo esse espírito, passado algum tempo, se acostumaria a elas.
O quão triste é ver alguém que não tem condições de sequer alimentar-se com dignidade? Creio que muitos, em algum momento da vida, tenham ficado comovidos ao ver alguém em busca de alimento em latas de lixo. Comovidos ao ponto de cair em prantos, é provável. Mas por que não caímos em prantos toda vez que presenciamos uma situação como essa? Por que não nos chocamos a cada vez que nos deparamos com uma injustiça?
Porque nos acostumamos. E depois do costume vem o torpor. Para evitar a dor, mascaramos as percepções daquilo que sentimos. Minimizamos, em nossas consciências, a gravidade das situações até o ponto de podermos lidar com elas. É um mecanismo de defesa, mas que gera efeitos colaterais.
Passado um longo tempo de entorpecimento, tomamos a situação por natural. Aquilo que antes nos chocava, passa a não causar mais tanto espanto.
Assistindo sempre às mesmas peças de tragédias cotidianas, estamos mais informados e conscientes? Ou estamos confinando nossas almas a um espaço feio e restrito, impedindo-as de voar pela vastidão do infinito?