Solitário novamente, cavalgava num ritmo confortável, sem preocupar-se em impor toda a velocidade que seu cavalo era capaz de suportar. Sob o frescor do ar matinal e com uma suave brisa em seu rosto, deixou que a paz lhe tomasse o espírito. Após uma inspiração profunda, pôs-se a contemplar o sol a levantar-se no horizonte e os pássaros em seus vôos de liberdade.
Mesmo com todas as dúvidas que lhe corroíam, sabia que voltar suas atenções para elas a todo o momento não seria a atitude ideal. Portanto, um momento de paz era muito bem-vindo.
À medida que o dia passava, aprofundava-se mais em seus pensamentos, esquecendo-se do mundo ao redor, cavalgando e deslocando-se com movimentos quase que autômatos, com mente e espírito a vagar por distantes paragens.
À beira da trilha, um mover de folhas chamou sua atenção. Era um pequeno pássaro ferido. Seu espírito foi gradualmente retornando à realidade deste mundo. Desceu do cavalo e observou que a asa do pequeno animal estava quebrada. Procurou um pedaço de madeira que se ajustasse à asa e também algo que servisse de barbante para preparar uma atadura. Deu-lhe um pouco de água retirada de algumas folhas, ainda úmidas pelo orvalho e ajeitou-o cuidadosamente num local seguro em meio à sua pouca bagagem.
Mais uns minutos de cavalgada e repentinamente decidiu seguir um distante ruído de água, que vinha de floresta adentro. Distanciou-se da trilha e, guiando-se pela orientação de seus ouvidos, encontrou uma pequena cachoeira que despencava sua água límpida num pequeno lago, puro e cristalino. Tirou o pássaro do meio de sua bagagem e o deixou repousando na sombra aconchegante de uma árvore; livrou o cavalo dos carregamentos que trazia, deixando-o à vontade para beber da água do lago e fazer o que bem entendesse.
Novamente com pensamentos distantes, sem as ordens expressas do pensamento permanente, escalou algumas pedras para postar-se na parte superior da cachoeira. De lá, pôde ter uma melhor visão da beleza do local. Um espelho d´água e um arco-íris, formado com a incidência dos raios de sol nas gotículas de água da cachoeira, aumentavam ainda mais essa harmonia – sem contar o canto das aves e o aroma das flores.
Não obstante, mesmo com toda a paz e harmonia que o cercava, isso não era o suficiente para acalentar as vontades de seu espírito. Absorvia sim todas as coisas boas que o cercavam, mas, ainda assim, isso era pouco para preencher o desejo que ardia dentro de si. Um desejo forte, que não sabia bem de quê era. Quando do contraste entre a paz exterior e suas angústias internas, pensou:
– Olho para o horizonte distante e sinto claustrofobia… Esse mundo é muito pequeno! O céu que me cerca, é como uma grade que me prende, não bastasse o corpo que enclausura minha alma, cedente por vôos mais altos e que meu corpo não permite. Sinto que minha consciência pode ir além, mas grilhões aqui me prendem. Eu apenas espero por mais, por algo que vá além de uma vã existência. Por vezes sinto que a ilusão e a insanidade são uma praga que se espalhou com tamanha força e impetuosidade pela humanidade, que até mesmo aqueles que se dizem mais esclarecidos foram afetados por ela; uma doença que atinge a todos, em graus variados, mas que, ainda assim, atinge a todos. Sei que também não estou livre dela, mas tenho uma enorme vontade de curar-me e, ao encontrar a cura, sarar os que se encontram ao meu redor.
Seguido ao momento de reflexão, ficou alguns poucos minutos sem pensar em nada, numa respiração lenta e profunda. Uma súbita sensação de ardência e frescor ocorreu-lhe no peito, percebida como uma grande dose de confiança que se estabelecera no mais íntimo de seu ser. Foi como se um lampejo de consciência despertasse em seu interior, aumentando sua paz e confiança, indicando que percorria a estrada correta.
Não foi um entendimento comum. Foi de fato um grandioso acontecimento, embora dele não houvesse testemunho, a não ser o de sua própria consciência. Um momento de compreensão, de si mesmo e do mundo que o rodeava. Ao que consta, tratou-se de uma pequena fagulha, que viria a acender uma chama em seu interior. Chama essa que jamais parou de arder, e que o impeliu para o resto de sua vida a uma busca por significado, pelo verdadeiro sentido de sua existência.