“Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz.” Khalil Gibran
Por um simples traço de minha alma é a procura do olhar que a mim mesmo lanço. Por uma simples palavra instigo minha memória a buscar, e peço a ela que busque o mais distante que puder; e insisto que vá além. Quando tiver chegado ao mais longínquo imaginável, peço que avance em sua busca e não cesse de procurar até encontrar. E quando todo o possível houver sido feito, clamo pelo impossível. De uma simples imagem busco recordar. Um simples som almejo ouvir novamente. Também um único e simples aroma quer meu olfato experimentar outra vez.
Há tempo, tanto tempo que já não se têm mais notícias. Nem mesmo rumores. Ah, aquilo que busco! Tão longínquo, tão camuflado e escondido. Resquícios de sua existência encontram-se em fábulas, músicas e poesia. E assim, somente assim é possível ter um vislumbre de compreensão daquilo de que as palavras já não falam mais. Somente em históricas fantásticas, que fantasia possuem pouca. Mas, as peças desse quebra-cabeças encontram-se espalhadas e uni-las é tarefa árdua.
Ainda que meus olhos não captem, minha alma sente minha alma. E, quando isso ocorre, sei que o olhar lançado surtiu algum efeito, embora imensamente menos intenso do que meu desejo. A paragem seguinte tem o acesso mais dificultoso. O entendimento daquilo que, de algum modo, sei. E a ampliação do que sei.
As lembranças por que clamo parecem ter-me sido arrancadas. Mas apenas parecem, pois lembranças não podem ser arrancadas; podem, quando muito, ser ocultadas. E essa ocultação se dá pelo preenchimento de outras lembranças que as encobrem.
A palavra, a imagem, o som e o aroma por que busco estão encobertos por palavras, imagens, sons e aromas que invadem meu ser, tendo sido convidados a nele penetrarem já não sei mais quando. Mas essa visita já alongou-se por demais. É hora de encerrar o festim e arrumar a casa. É preciso retirar os pertences dos visitantes para que possa encontrar os meus próprios; mas não os pertences acessórios, e sim aqueles que formam a própria casa e dela fazem parte, intrinsecamente. É preciso varrer o chão para ver novamente sua cor. É preciso sentir novamente o ar original da casa, livre dos perfumes que dela não fazem parte. É preciso restaurá-la.
Quando minha língua fala, já não é mais minha língua falando, mas a de um estranho há tanto amalgamado a mim que o tomo por mim mesmo. Mas, felizmente, meu ouvido me alerta ao estranhar-lhe a voz. E sou impelido a lançar o olhar sobre meu ser, e a buscar as respostas de cujas perguntas havia esquecido.